domingo, 5 de fevereiro de 2012

A Cirurgia Plática

Entraram juntos na sala de espera do Cirurgião Plástico.
Não se entendiam mais, estavam dispostos a se separar.
Ele que dava personalidade a aquele rosto franzino.
Um não era nada sem o outro.
Era um Nariz de Personalidade, destes que não passam despercebidos.
Destes que o faziam ser reconhecido mesmo quando ele estava de perfil.
O nariz que estava junto com ele nos momentos felizes e tristes.
Como a primeira vez que ele viajou sozinho, quem estava em sua companhia?
O inseparável nariz.
Um nariz de responsabilidade, um nariz de personalidade.
Um nariz destes aduncos que faziam uma grande curva e terminavam por se delinear perto dos lábios.
O nariz que nunca o abandonou, mesmo quando ele foi excluído do time de futebol.
O nariz que estava com ele capaz de proteger um cigarro na sua boca mesmo embaixo de chuva.
Um nariz sábio, com suas aventuras e histórias.
Agora homem e nariz não se entedem mais, prontos para se separar eles que eram carne e cartilagem, agora estavam brigados.
Um homem e seu nariz. Um nariz e seu homem. Grandes amigos, que ainda respiram o mesmo ar. Que estavam juntos quando ele conheceu sua primeira namorada, o nariz que cheirou o cangote da moça.
Que não o abandonou nem quando ele ficou careca.
O nariz que nunca deixou de ser sua principal referência, ele não era reconhecido pela sua careca, mas sim pelo seu nariz.
E quando ele estava se sentindo sozinho, amuado no quarto.
Quem estava com ele?
O inseparável nariz.
Grandes companheiros, parceiros das horas de dor e de alegria.
Mas nada disso parecia importar para aquele homem, porque agora homem e nariz não se entendiam mais.
O Grande nariz, que por si só era uma personalidade.
O Grande nariz, disposto a dar sua vida pelo seu dono.
O nariz de todas as horas, que cheirou os melhores perfumes e auxiliou o paladar a encontrar os melhores sabores.
Homem e nariz, nariz e homem. Que estavam juntos quando ele sentiu vergonha de chegar atrasado na aula particular de química da Jujuzinha.
Um homem e seu brilhante nariz, a horas de assinarem seu divórcio.
Partindo os bens, o nariz que vai embora com a personalidade daquele rosto franzino.
Aquele mesmo nariz que não o abandonou quando ele tirou zero na prova de física.
Que estava com ele até mesmo quando ele se perdeu na selva do seu grupo de amigos escoteiros.
O nariz que o ajudou a acender uma fogueira, que ouviu dele sem deixar de respirar, as maiores besteiras e bobeiras.
Um homem e um nariz prontos para se separarem.
Tudo porque a Tifani sua noiva não gosta dele, tem ciumes daquele nariz adunco. Porque ele chama mais atenção do que a beleza do casal.
Ele nariz que não pediu pra ser autônomo.
Ele nariz que nasceu assim e nunca pediu nada em troca.
Ele nariz que o acompanhou por toda a vida.
Preste a dizer adeus da forma mais cruel e injusta.
Praticamente um aborto legalizado de um personagem que já nasceu.