segunda-feira, 15 de março de 2010

Quem conta um conto ganha um ponto.

Samuel Juca

No jardim, ajoelhado junta suas mão em forma de espada, fecha os olhos e faz uma oração. Não necessariamente é capaz de entender o que mudou. Simplesmente depois de dez anos ele voltou, sublime e sério nem se parece com o garoto rebelde de anos atrás.

Sua mãe de longe olha pro jardim, feliz com sua volta, nota algo de diferente, mas está feliz, e isto basta no momento.

Quis o destino que Samuel Juca cruzasse as fronteiras do mundo em mata cerrada e retornasse pra casa vivo, feliz e confuso. O sorriso lembrava um ar de sofrimento, mas não era um sorriso triste, era um sorriso desprovido de lucidez, porém sábio.

Depois de anos preso na mata, ele conheceu tribos e mais tribos costumes e mais costumes, picadas de insetos e rugidos dos mais variados bichos, aprendeu a acender sua própria lareira pra aquecer o corpo em noite fria, para dormir teceu sua própria rede, e no céu estrelas iluminavam uma vida quase sempre isolada.

Quando caiu o avião pensaram não haver sobreviventes, mas sabe-se lá como conseguiu sobreviver. Quase calado ele apenas fazia gestos com a cabeça e dizia palavras monossilábicas para se expressar. O importante é que ele voltou do nada do impossível, talvez o único homem vivo de um acidente estrondoso, sobreviveu e renasceu no mato, e hoje se parece mais com os bichos que com os homens, o ouvido ficou mais apurado e o seu instinto relembra o de um animal assustado.

Sensorial ele desenhou um pássaro na terra e por horas ficou ali, de leve caia a chuva e ele demonstrava intimidade com aquela situação, os pingos caíam em seu corpo enquanto ele fixamente olhava para a terra. Como se ela fosse trazer a cura, de repente ele se levantou e disse a única frase inteira no dia.

- Do interior da terra nasce a vida escondida no interior da semente.

Entrou e chorou por instantes, das águas de seus olhos correram o trauma momentâneo e ele de repente se sentiu mais livre, porém ainda comia com as mãos e no quintal acendeu uma fogueira e dormiu por horas no chão. Ele ainda estava se acostumando com o antigo novo mundo.

E assim foi até o outro dia, quando viu Luizinho seu irmão mais novo. Ainda sob alucinação ele pegou a maquiagem da mãe e pintou dois traços negros no rosto do irmão e gritou como índio dentro de casa, o ritual prosseguiria por outros dias enquanto ele se recuperava.
Feliz ela ficou quando ele em meio a realidade e alucinação lhe tocou o rosto, lhe abraçou e a chamou de mãe. Ela emocionada lhe levou até a varanda o sentou por lá e por horas ficaram ali com a companhia do cachorro, os bichos de leve sabiam se aproximar dele como talvez nenhum humano poderia naquele momento.

Suave como som do destino ele levantou o irmão, colocou em seus ombros, o deixou na sala e entrou em seu quarto segurou por instantes seu carrinho de brinquedo desgastado pelo tempo, deitou em sua cama e enfim dormiu como antigamente.

Autor: Fábio Atala.

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